segunda-feira, 10 de março de 2008

PERCURSO DE GUERRA * por Marferart





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PERCURSO DE GUERRA

Caminho pelo imenso salão em meio à pouca luz
Ouço o som suave de um sax que chora um dó maior meigo
O prédio é envolto em estrutura aluminisada e pele de vidro, o que me permite
Ver toda a cidade de Havana, seus cassinos e mansões à beira mar, os
Automóveis luxuosos, nessa noite fresca de abril, em 1942.

O run forte me rasga a garganta como o sax faz com a noite, em incêndio paulatino,
Entorna pelo lado esquerdo de minha boca e molha minhas vestes, tornando meu traje negro agressivo, sensual e convidativo à mulher de cabelos pretos e olhos profundamente azuis que me plenteia.

E esses benditos charutos de campanha, depois das ostras...
Estranho como estou só, nesse terno riscado elegante e meu chapéu de agave.


Daqui do alto desse avarandado elegante, entregue ao sabor de estrelas
Tremo ao som suave de um violoncelo rígido em um si bemol pleno e alongado
Essa residência centenária cravada no seio sinuoso da rocha, se inclina sobre "il mare" de
Nápole, que tem cheiro de história e mistério rouco, de máfia claustral.
Sob os chapéus negros de feltro enigmático,
homens sérios caminham silenciosos e mulheres misteriosamente ocultas me encantam, no verão 1943

Um vinho sêco, com minha idade, enfeita o naco do gorduroso javali assado com ervas,
sob o queijo de France.


E esses benditos charutos de campanha, depois do chocolate quente...
Estranho como estou só, nesse meu terno negro que copiei de Antonione

Aqui há muita luz à ofuscar minh’alma, que insiste em pisar esse frio mármore secular
Um piano encantador e um bandallion argentino, em lá menor, suavizam meus músculos mais íntimos, como um cognac em Charente
Nesse apartamento encantadoramente simples em Montmartre, arredores de Paris
Observo as ruas e vielas, suas delicadezas intimistas, o cheiro suave de arte, músicas, amor e sonhos
Vejo discretas senhora suspeitas a convidar-me ao ócio da perfumada aventura corpórea,
nesse outono de 1944
Comprei flores primaveris e queijos rústicos de armazém, que agridem o champagne escuro

E esses benditos charutos de campanha, após um sorvete de fruta exótica da África...

Estranho como estou só, descalço, nesse jeans azul como o céu da França

Acordo nessa praia abandonada, estreita, da Urca. Semi-nu, manhoso e com um calor do
qual já havia esquecido.
Ouço um som ao longe. Um violão dolente? Um tamborim vadio?
As matas descem o pequeno morro e deitam-se sobre a praia, invadem o mar, como cabelo de mulher
Assaz bêbado tenho fome de pães amantegados e quentes, com queijo branco de empório

Preciso de uma mulher, no verão louro do Rio, nesse fevereiro de 1945
Tenho pouco dinheiro nos bolsos e não mais os quadros de Matisse, Monet, Goya, Gauguin, Renoir

Os benditos charutos de campanha que o guerrilheiro me deu, acabaram-se, como ele...

É compreensível que eu esteja absolutamente só, nessa molhada calça branca de marinheiro?
É carnaval no Brasil e graças à Deus a GUERRA ACABOU!

Como não matei quase ninguém, acho que vou mergulhar nesse mar incandescente...

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