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Se soltares minha mão, caio
Me preocupa não saber a profundidade do abismo
Mas se me pedir que saia, saio
O importante é que houve sonho no breve lirismo
Nasceram parcas e frágeis raízes
Demoram eu sei
Vem do fecundo chão em pequenos vasos
e crescem em teias até o coração
Depois imperam como lei
E tornam-se profundo amor com laços
que não cedem, pro bem do mão na mão
Se soltares minha mão, caio
Me preocupa não saber a profundidade do abismo
E juro que esvaio
Me espatifo e seco o sangue na calçada do cinismo
Demora a recuperação, sabia?
As outrora frágeis raízes secam (secam?)
Como um câncer tomam o corpo todo, uma vez morto
Precisam ser retiradas com estremado cuidado
O líquido ferruginoso que liberam é um lodo
Exalam um odor doído, do peito rasgado
Por isso atente bem ao soltar a mão de um pobre coitado
Se soltares minha mão, caio
Me preocupa não saber a profundidade do abismo
Mas se me disser que caia, caio
Quem sabe, em fim, aprenda a voar ao saltar desse cimo
E ainda terei seu perfume, sabia
E a visão de sua mão inerte ante minha queda
E eu inevitável, flutuarei no nada novamente
Em busca de algo que me apare e cuide
Perdido o fruto, amparo a semente
Eu, a semente e o futuro. Pobre tríade
Retrato do triste presente.